Palmeiras: a origem do apelido “porco”

liduardoPor muitos anos os palmeirenses ressentiram-se de ser chamados de “porcos”, até pela generalização que esse tipo de apelido acarreta. Porém os anos se passaram, o esquecimento entrou em cena, a vergonha deu lugar ao orgulho e hoje o porco praticamente substituiu o periquito como mascote da Sociedade Esportiva Palmeiras. Mas por que começamos a chamar os palmeirenses de porcos?

O ano era 1969. O Corinthians seguia rumo aos 15 anos de fila no Campeonato Paulista. O Campeonato Brasileiro ainda não existia nos moldes atuais e os certames estaduais, origem das rivalidades como as conhecemos hoje, eram a grande ambição de clubes e atletas.

Tudo parecia conspirar contra o Timão naquela época. A decadência física do timaço dos anos 1950, provavelmente o melhor elenco a um dia ter defendido as cores corinthianas, foi seguida pelo surgimento da Academia palmeirense e do Santos de Pelé. Devia ser um inferno ser corinthiano naqueles tempos de escassez de troféus e rivais na ponta dos cascos.

Surgiu então Rivellino, o Reizinho do Parque, e a Fiel, que já chegava mais cedo para vê-lo jogar entre os aspirantes, finalmente testemunhava um Corinthians capaz de voltar a rivalizar com seus principais adversários na disputa por títulos.

O lendário Dino Sani aposentou-se dos gramados vestindo o manto alvinegro em 1967 e, desafiado por Oswaldo Brandão, logo na sequência iniciou-se técnico comandando o Timão. Sob sua batuta, Rivellino armava o time enquanto Paulo Borges comia a bola pela ponta direita.

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Eduardo Neves de Castro (*29/08/1944, +28/04/1969) marcou 15 gols em 71 jogos com o manto alvinegro.

Eles ganhariam posteriormente a companhia de Eduardo pela esquerda do campo de ataque. O ponta-esquerda fora contratado junto ao América-RJ, onde brilhara ao lado de Edu Coimbra, da linhagem familiar de gênios da bola iniciada em Antunes e Nando e encerrada em Zico.

Em 1968, “com Pelé, com Edu, nós quebramos o tabu”, gols de Paulo Borges e Flávio Minuano. Veio 1969 e estava complicado segurar o Timão. Na defesa, oriundo do Londrina-PR, o lateral-direito Lidu surgia como um dos pilares da fortaleza chefiada por Ditão.

O Corinthians parecia finalmente apto a sair da fila. O alvinegro deu um show de bola no primeiro turno. Havia vencido os três clássicos disputados (quatro, se considerarmos a qualidade e o status da Portuguesa na época) e liderava seu grupo no Paulistão, que pela primeira vez em décadas não era disputado no sistema de pontos corridos.

Logo no início do segundo turno, porém, uma tragédia abalou o Parque São Jorge. Depois de um valioso empate fora de casa com o São Bento, o elenco retornara de Sorocaba para São Paulo tarde da noite do último domingo de abril. A Marginal Tietê ainda era uma novidade e as viagens para o interior, mesmo as curtas, eram demoradas e cansativas.

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Ludgero Pereira da Silva, o Lidu (*26/08/1948, +28/04/1969), entrou em campo pelo Timão em 36 partidas, participando de 24 vitórias, 6 empates e 6 derrotas.

Lidu e Eduardo, então titulares absolutos pela lateral-direita e ponta-esquerda, respectivamente, resolvem sair pra comer uma pizza. Lidu dirigia o carro, um Fusca. Perdeu o controle do veículo na Marginal Tietê, nas proximidades da Ponte da Vila Maria, nos primeiros minutos da madrugada de 28 de abril, uma segunda-feira. A cidade amanheceu em choque com a notícia do desastre. Os dois promissores atletas pereceram no acidente. Eduardo tinha 25 anos; Lidu, 22.

Eram tempos de elencos mais enxutos, um futebol do mundo dos sonhos e talvez de mais irmandade entre os jogadores. Ainda em choque, a diretoria corinthiana via a necessidade de contratar um lateral e um ponta para recompor o elenco, mas havia um empecilho: a janela de inscrição de novos jogadores estava fechada. Para contornar essa situação, a Federação Paulista de Futebol chamou os dirigentes dos 14 clubes participantes do campeonato para votar a possibilidade de inscrição de substitutos para os atletas mortos.

Exigia-se somente uma coisa: unanimidade. E essa unanimidade por pouco não foi atingida. Houve apenas uma exceção. O então presidente do Palmeiras, Delfino Facchina, colocou a rivalidade esportiva acima do sofrimento dos envolvidos na tragédia. Irredutível, votou contra.

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Pelé para diante da marcação implacável de Lidu. Foto mencionada por Marinho em seu emocionante comentário sobre o texto.

Indignado com a insensibilidade de Facchina, o então presidente corinthiano, Wadih Helu, chamou-o de porco, em alusão ao “espírito de porco” evidenciado em sua postura mesquinha. Não que um tivesse muito mais dignidade ou grandeza de espírito que o outro, mas esta é outra discussão.

Abalado emocionalmente com a perda de Lidu e Eduardo, o Corinthians perdeu o ímpeto em campo. Mas a dianteira era tamanha que, mesmo derrotado nos três clássicos do segundo turno, classificou-se em primeiro lugar em seu grupo, ficando apenas um ponto atrás do Santos na soma geral dos pontos.

No quadrangular decisivo, porém, o Corinthians voltou a perder os três clássicos e viu o troféu de campeão paulista de 1969 parar na Vila Belmiro e o jejum de títulos se estender por mais alguns longos anos.

1969Só para se ter uma ideia da capacidade daquele elenco, semanas depois do término do Campeonato Paulista, o Corinthians saiu em excursão pelo exterior. Em uma de suas escalas passou pela Espanha e ganhou de virada de um tal Barcelona na decisão da Copa Costa do Sol. Meses depois a vaga de Lidu seria preenchida por ninguém menos que Zé Maria, o Super Zé.

Passado o trágico episódio, nas ruas e nos estádios, nas reuniões familiares ou nos encontros entre amigos, um corinthiano via um palmeirense e automaticamente o xingava de “porco”.

E assim surgiu o apelido que nosso rivale passaria a ostentar com orgulho apenas na segunda metade dos anos 1980.

One thought on “Palmeiras: a origem do apelido “porco”

  1. Excelente texto, Ricardo, parabéns! Eu tinha 11 anos quando meu pai me chamou de manhã pra ir à escola e me contou da morte de Lidu e Eduardo. Foi um dia triste pra mim. Pouco tempo atrás, eu tinha visto uma montagem fotográfica num jornal em que mostrava o Pelé ajoelhado diante do Lidu. A publicação circulou depois de um jogo entre Corinthians e o time da Vila em que Pelé não colocou o pé na bola porque recebeu marcação implacável do Lidu. Naquele tempo, ganhar do time do Pelé era motivo de festa para os corinthianos. Para um menino de 11 anos que morava no interior, que sonhava em ver o Corinthians campeão, aquela foto transformou o Lidu num herói. Não à toa fui pra escola sem tocar no café com leite e pão com manteiga que minha mãe sempre servia de manhã. A morte dos dois foi o acordar de um sonho pra volta do pesadelo de um Corinthians que nos fez sofredores. Foi também nessa época que aprendi com meu pai que “Não há noite sem aurora”. E o dia amanheceu em 13 de outubro de 1977, quando ao lado do velho, na arquibancada do Morumbas, vi aquele gol do Santo Basílio. Antes disso, me lembro de duas cenas muito divertidas no mesmo estádio. Na duas vezes, era jogo contra nosso arqui-rival. Numa delas, a torcida soltou um balão com o desenho de um porco pendurado. Na outra, um torcedor soltou no gramado um porquinho vestido de verde. Nas duas ocasiões, a torcida corinthiana soltou rojões e entoou o grito de “porco” enquanto a torcida rival ouvia calada. Era uma reação da Fiel contra uma injustiça. E aqueles que se calavam sabiam disso. Anos se passaram, as novas gerações dos adversários passaram a se orgulhar do nome porco. Prefiro acreditar que isso se deu por ignorância histórica do que por “espírito de porco”. O fato é quando eu falo porco ao me dirigir à porcada, eu sei muito bem do que estou falando. Eu sei o que representou na minha vida e na de milhões de garotos como eu em 1969 aquela decisão porca do rival.

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