1 x 1
(nos pênaltis: Fluminense 1 x 4 Corinthians)
Os cariocas despertaram para a manhã de 5 de dezembro de 1976 sentindo que havia algo diferente no ar. Talvez fosse o ruído, talvez o sotaque. Desde a véspera, o Rio de Janeiro começou a ser ocupado por dezenas de milhares de corinthianos que espontaneamente deixaram São Paulo de carro, de carona, de ônibus, de avião, nas boleias dos caminhões, em cima de bicicletas e até mesmo a pé para ver o Corinthians jogar.
É fato que mais de 70 mil corinthianos dividiram o Maracanã com os torcedores do Fluminense para assistir à semifinal do Campeonato Brasileiro de 1976. Mas também é fato que outras dezenas de milhares foram ao Rio e não conseguiram ver o jogo. A Fiel não ocupou apenas o Maracanã. A Fiel ocupou o Rio de Janeiro.
A Invasão Corinthiana representou o maior deslocamento humano em tempos de paz da história. Em números oficiais, 146.043 pessoas pagaram ingresso para entrar no Maracanã naquela tarde de domingo. É até hoje o maior público pagante da história mosqueteira, de acordo com o Almanaque do Corinthians. E dificilmente esse número será superado um dia. E tudo isso sem internet nem redes sociais.
O Flu tinha mais time. Até Rivellino nos tiraram. Mas time é transitório. O Corinthians tinha – e até hoje tem – a Fiel.
No jogo, disputado sob forte chuva, Carlos Alberto Pintinho abriu o placar para o Flu aos 18 minutos de jogo, mas Ruço igualou o marcador aos 29, numa linda meia-bicicleta.
Nos pênaltis, Tobias defendeu as cobranças de Rodrigues Neto e Carlos Alberto Torres. O Timão venceu por 4 x 1 e avançou para a final contra o Internacional.
Na guerra do discurso, nós perdemos. A mídia emplacou a “invasão”, para dar a conotação de baderna à mobilização popular, como é de seu costume, mas não conseguiu tirar a beleza do momento nem mudar o resultado do jogo.
A Fiel, uma vez mais, carregava o Corinthians nos braços.
Em 2016, quando completou 40 anos, a “Invasão Corinthiana” virou filme. O trailer pode ser visto a seguir.
| Artilheiro do jogo: Ruço |
| Contra o Fluminense |
| No Maracanã |
| Na história do Campeonato Brasileiro |
| O Corinthians em 66 anos de história |
Era dia de prova da Fuvest, primeira fase. Meu pai e meu irmão pegaram o ônibus bem cedo e foram pro Rio. Eu peguei o ônibus e fui pro exame vestibular. Minha mãe, de carro, foi me buscar no fim da prova e me levou direto pra Congonhas. Foi minha primeira viagem de avião. Desci no Galeão vestindo a camisa do Corinthians. Tinha uma galera saindo do aeroporto também vestindo o manto sagrado. Perguntei se eu podia ir com eles pro Maracanã. Me deram uma carona no táxi. Estádio lotado. Entrei sozinho, com meu ingresso dentro da meia pra ninguém roubar. Foi também minha primeira vez na Cidade Maravilhosa. No empurra-empurra da entrada, senti alguém roubando o dinheiro que eu levava no bolso pro hot dog e o sorvete. Quis brigar com o cara, mas a barra pesou e eu fiquei bem quietinho. O mais importante era ver o Timão. Nas arquibancadas, procurei meu pai e meu irmão. Seria muita sorte encontrá-los. Assisti à partida e à cobrança de pênaltis ao lado de dois torcedores do Botafogo. Muitos cariocas se juntaram a nós naquela partida. Foram contagiados pela energia da Fiel. O jogo foi sofrido, como são os jogos corinthianos. Naquela época, mais ainda porque vivíamos o jejum de 20 anos sem título. E gritamos “covarde” quando o Rivellino não quis cobrar pênalti. Russo e Tobias foram os heróis daquela tarde. Dentro de campo, é claro. Na saída, perguntei onde era a rodoviária a dois garotos que pareciam ter a mesma idade que eu. Eles disseram que moravam lá perto e que eu podia caminhar com eles. Vestiam a camisa do Fluminense e levavam uma bandeira tricolor. Bons tempos aqueles em que éramos mais humanos, nos respeitávamos. Quando desci a escada pra plataforma onde eu ia pegar o ônibus de volta pra São Paulo, ouvi os gritos do meu pai e do meu irmão. Nos abraçamos numa alegria que não cabia em nós, com os olhos marejados. Uma imagem que me emociona até hoje. A rodoviária, como o Maracanã, como o Rio, era só Corinthians. Era só Fiel.
A melhor crônica a respeito da invasão corinthiana foi escrita pelo genial Nelson Rodrigues, talvez o maior dramaturgo brasileiro de todos os tempos e um dos maiores cronistas esportivos que o Brasil conheceu. O texto do Nelson pode ser encontrado no Google. Ele descreve a invasão como só os grandes escritores conseguiriam fazer. E com um detalhe de altíssima importância nessa situação: Nelson Rodrigues era um fanático torcedor do Fluminense.
A crônica do Nelson Rodrigues é imbatível!