É de rachar de rir – ou talvez chorar de desgosto para quem ainda tem algum apego pelo bom jornalismo – a surreal manchete da Folha de S. Paulo alegando que a Arena Corinthians teria sido um “presente” da Odebrecht a Lula. Na falta de alguma bobagem mais consistente, mais cedo ou mais tarde os feitores dessa mídia cínica, esquizofrênica e inescrupulosa que temos no Brasil chegariam a Itaquera. Mas não iriam de metrô. Transporte público? Nem pensar.
Provas documentais? É pedir demais. Não esperemos tamanha dignidade de nossa mídia plutocrática, antipopular e anticorinthiana. Alguém fala uma bobagem, a bobagem vai para o ventilador e faz-se o estrago. Se for bobagem contra o Lula, o PT, a esquerda, preto, puta e corinthiano, publique-se. Na manchete! Em tom bombástico e letras garrafais, de preferência, mesmo que o teor da reporcagem obrigue o leitor a fazer muita ginástica mental para achar algum resquício de notícia na não-notícia. A “concorrência” não vai pensar duas vezes em repassar a mensagem com o alarde peculiar do denuncismo barato.
Passado o choque inicial provocado pela leviandade da Folha – eu ainda prefiro chamar de Falha –, é quase impossível escrever sobre o assunto sem algumas pausas para gargalhar. O ex-presidente Lula é corinthiano. Ponto. O fato é de conhecimento irrestrito. Mas se foi presente, eu pergunto: o senhor Luiz Inácio é dono do Corinthians ou possui algum cargo remunerado na direção do clube? Não.
Pergunto também: se é presente, por que o Sport Club Corinthians Paulista tem quase R$ 1 bilhão em prestações a pagar pelo estádio?
Silêncio sepulcral nas galerias.
Lembremos que a Falha é um panfletinho de direita que durante a ditadura emprestou carros de reporcagem de seus periódicos para o Dops tocar o terror e um dia viu nas Diretas Já! uma oportunidade de marketing, posou de democrata e “plural” e transformou-se em sucesso de vendas em banca. Tem lá um ou outro colunista à esquerda. Uma coluna por dia contra dezenas e dezenas de páginas à direita. É a pluralidade elevada ao estado da arte.
Mas vamos ao teor da reporcagem: o patriarca da família Odebrecht, Emílio, teria dito que o estádio do Corinthians foi “uma espécie de presente” a Lula. Espécie de presente? Ou é presente ou não é. Espécie de presente não existe. Fora essa fala, é só. Nenhum documento. Nenhuma prova. Nenhuma testemunha. Apenas a fala do dono de uma empresa com um histórico de décadas de relações incestuosas com o poder, seja lá o que for o poder, e quer ver o filho fora da cadeia.
Quem vai processar a Falha, a Veja ou a Globo pelos abusos cometidos em tempo real, irreal e surreal? Qual lei impede a grande mídia de promover assassinatos de reputação em série? Quem vai regular o cinismo e a seletividade da mídia? Nada nem ninguém.
A questão de fundo, no entanto, é outra: qual nexo a Falha busca ao tentar implicar a construção de Itaquera na Operação Lava Jato?
Por anos a fio, os cadernos de esporte e a seção de polícia foram usados ideologicamente pelos proprietários dos jornais como propagadores de preconceitos mantidos à distância de outras editorias. No caso do Corinthians e do corinthiano, estavam os dois condenados a frequentar as duas editorias. Um clube popular que um dia ousou desafiar o sistema para ingressar no Campeonato Paulista quando o futebol era um esporte de elite não teria o direito de vingar, mas vingou. O Corinthians, desde o momento que se propôs a este embate, na longínqua virada de 1912 para 1913, foi sumariamente condenado pela mídia. Será o time dos verdureiros, dos camelôs, dos caminheiros, dos pobres, dos favelados, aquele que vai enfrentar os “nossos meninos” – os brancos, limpinhos e cheirosos filhos da elite. O preconceito se perpetuou no imaginário. A torcida, em reação, ainda hoje entoa: “oooô, corinthiano, maloqueiro e sofredor, graças a Deus!”
Seguindo esse raciocínio tosco, um clube como o Corinthians jamais poderia ter um estádio de grandes dimensões para chamar de seu. O que dizer então de ter o estádio da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, um dos mais modernos do mundo? Ou você acha que é à toa que a Falha chama a Arena Corinthians de “Itaquerão”?
A intenção da Falha, no caso, é reforçar um pouco mais na cabeça de seu leitor médio – não tão intelectualmente indigente quanto o da Veja, mas em rota acelerada a este destino – a visão preconceituosa de que qualquer coisa envolvendo o Corinthians é suspeita. Mas não só. Ela quer levá-lo a conexões supostamente lógicas: todo corinthiano é bandido, todo petista é bandido, o Lula é bandido (a Odebrecht, coitadinha, ela só joga o jogo) e portanto esses bandidos estão todos mancomunados e certamente alguma maracutaia há de haver na construção do estádio em Itaquera.
É provável que haja tramoias na construção de Itaquera? Sim. Mas se for este o caso, que a denúncia venha na forma de provas e documentos, seja encaminhada ao Poder Judiciário, que a favor dos interesses populares nenhuma inclinação possui, e que eventuais responsáveis sejam condenados e punidos. O denuncismo barato e seletivo de nossa mídia cínica, inescrupulosa e corrupta já custou muito caro ao Brasil no passado e no presente. Mas sua mesquinhez é tamanha que ela não aceita nada que não seja terra arrasada no campo popular.