0 x 1
Pelos adversários, o jejum corinthiano no Campeonato Paulista era contado em anos: quase 23, numa matemática de aproximação. Pela Fiel, a matemática era perfeita. Amanheceu a quinta-feira, 13 de outubro de 1977, com a conta em 22 anos, 8 meses e 7 dias. Todo aquele jejum e a torcida só crescia.
Em 1974, com Rivellino, o Reizinho injustiçado, o Corinthians passou perto. E em 1976 por pouco não faturou o Campeonato Brasileiro empurrado pela Fiel.
Alguns talvez soubessem dizer as horas, os minutos e os segundos desde a tarde de 6 de fevereiro de 1955, quando o Timão, comandado por Oswaldo Brandão, empatou com o Palmeiras para erguer a Taça do IV Centenário, referente ao Campeonato Paulista de 1954.
A conta era bastante simples. Quem vencesse naquela noite seria o campeão paulista de 1977. Um eventual empate levaria o jogo para a prorrogação. Se o empate persistisse na prorrogação, o Corinthians seria campeão por ter melhor campanha.
Mas havia outro problema. Um detalhe pouco lembrado é que Corinthians e Ponte Preta enfrentaram-se a valer em 1977. Até a decisão da noite daquela quinta-feira, a Ponte havia vencido quatro dos cinco confrontos disputado no ano, um deles por 4 x 0.
Mas Oswaldo Brandão estava de volta ao Parque São Jorge. E parecia contar com algum misterioso apoio extracampo para vencer o tabu e o jejum.
“Nós vamos ganhar de 1 x 0, e você, Neguinho, você vai fazer o gol hoje”, assegurou o técnico ao grupo na preleção, apontando para Basílio.
Será?
O Corinthians começa avassalador, mas o gol não vem. A Ponte Preta do segundo tempo perfeito do jogo anterior parecia ter-se desmaterializado. Rui Rei tem um xilique com Dulcídio e é expulso aos 15 minutos de jogo. Mas nada de o Corinthians abrir o placar. Oscar e Polozzi beiravam a perfeição. Quando a bola passava deles, Carlos pegava tudo. E quando ele não pegava, a bola explodia na trave.
Vem o segundo tempo e o sofrimento se arrasta. Milhões de corinthianos fazem contas. Quantos minutos faltam? Falta pela direita. Trinta e seis minutos da etapa complementar. Essa fila não vai acabar? Podia ser agora, né?
Zé Maria na bola. O Super Zé levanta no meio área. Basílio cabeceia em direção ao segundo pau. A bola atravessa a área à meia altura. Carlos acompanha. A defesa também. Mas Vaguinho se antecipa e alcança de esquerda. A bola explode no travessão. Vem Vladimir, de cabeça, de frente pro gol. É agora? Podia ser do Vlad. Mas a bola explode na cabeça de Oscar e sobra para o meio da área. Caprichosa, ela procura o pé direito de Basílio, o pé de anjo, e aos 36m e 45s estufa as redes do Morumbi.
Basílio corre sozinho rumo à bandeira de escanteio, o braço erguido, o punho cerrado, a pose de conquistador depois de marcar um dos gols mais chorados – e celebrados – da história do futebol. A massa em delírio. O estádio quase vem abaixo. Agora não tem volta. Não tem Ponte. Não tem nada nem ninguém. Apenas o tempo, que não passa, entre o gol e o apito final de Dulcídio Vanderlei Boschilla, em unusuais 49 minutos e 40 segundos da etapa complementar.
O gol de Basílio iniciou uma festa que tarda em terminar.
Veja o gol ouvindo a narração inesquecível de Osmar Santos.
FICHA TÉCNICA
PONTE PRETA 0 X 1 CORINTHIANS
Data: 13/10/1977
Local: Morumbi;
Juiz: Dulcidio Vanderlei Boschilia;
Renda: Cr$ 3 325 470.00;
Público: 86.677;
Gol: Basílio, aos 36 do 2° tempo.
Cartões amarelos: Ângelo e Basílio;
Cartão vermelho: Rui Rei, Oscar e Geraldão;
Ponte Preta: Carlos; Jair, Oscar, Polozzi e Ângelo; Vanderlei, Marco Aurélio, Dicá e Lucio; Rui Rei e Tuta (Parraga).
Corinthians: Tobias; Zé Maria, Moisés, Ademir e Vladimir; Ruço, Luciano e Basílio; Vaguinho, Geraldão e Romeu.
| Artilheiro do jogo: Basílio |
| Contra a Ponte Preta |
| No Morumbi |
| Sob o comando de Oswaldo Brandão |
| Na história do Campeonato Paulista |
| O Corinthians na história |
*Publicado em 9 de outubro de 1977 como parte do especial sobre a quebra do jejum
Eu tava no Mineirão em 1969, quando o Timão perdeu do Cruzeiro por 2 a 1. Estava com meu pai e meu irmão. O gol do Corinthians foi do Rivelino, numa bomba de fora da área, como era do seu feitio. Se vencesse, o Corinthians teria sido campeão do Torneio Roberto Gomes Pedrosa (Robertão), que hoje vale como título de campeão brasileiro. Eu tinha 11 anos de idade. Eu tava no Morumbi quando fomos derrotados pelo Palmeiras por 1 a 0 na final do Paulistão de 1974. A Fiel torcida ocupava 80% do estádio, mas quem comemorou foi a minoria. Voltei pra casa sozinho, num ônibus daqueles da antiga CMTC, lotado de corinthianos cabisbaixos, homens maduros com os olhos marejados. Foi uma das cenas mais tristes que eu vi na vida futebolística. Eu estava com 16 anos. Em 1976, com meu irmão e meu pai, fiz parte da invasão do Maracanã quando o Timão eliminou o Fluminense nos pênaltis depois de ter empatado por 1 a 1 com um gol do Ruço. Rivelino vestia a camisa do adversário, que tinha um timaço e era chamado de “máquina tricolor”. Foi o dia mais feliz da minha vida de corinthiano até então, superando a alegria de 1968, quando com gols de Paulo Borges e Flavio o Corinthians venceu o Santos de Pelé por dois a zero e quebrou um tabu de dez anos sem vitória sobre o Peixe. Neste jogo, no Pacaembu, eu não estava. Eu ainda morava no interior. Na invasão corinthiana, eu tinha 18 anos, a mesma idade de dali a poucos dias, em Porto Alegre, quando eu fui ao Beira Rio ver a gente perder a final pro Inter de Falcão (2 a zero). Fui com meu irmão e por pouco não apanhamos feio na saída do estádio. Tivemos que dar uma volta enorme, sem tirar a camisa corinthiana e enrolados na bandeira, desviando da torcida adversária, pra chegar sãos e salvos ao camping onde montamos nossa barraca. Na noite de 13 de outubro de 1977, com 19 anos de idade e sofrimento, eu estava no Morumbi com meu pai. Ele, que tinha visto o Timão conquistar o título de 1954, finalmente pode soltar, de novo, o grito enrascado na garganta de “é campeão!”. Foi o momento mais feliz da minha vida.
Simplesmente de arrepiar, Marinho…